Olhavam de um lado pro outro, antes de cruzar a linha de ferro, o perigo vinha do forte trem que passava de minutos em minutos, com seu barulho tradicional ao passar com as pesadas rodas nos encontros de uma linha de ferro com uma outra, o forte apito avisando a todos que já estava chegando à estação bem próxima, completava o som que vinha dos trilhos. Aquele som que enchia a casa e sempre incomodava o apresentador da TV ligada na sala, não os permitindo ouvir o que estava se passando naquele momento, aquele som que os acordava ainda na madrugada da manhã.
Quando enfim chegavam ao outro lado do trilho, se enfiavam num buraco feito na tela de proteção que protegia a avenida grande que paralelamente a linha de ferro, ia também em direção a prosperidade, servindo de corredor para milhares de carros e caminhões. Naquele mesmo ponto, após aquele mesmo buraco na tela de proteção, eles já se acotovelaram uma vez com outros tantos, que também vieram do outro lado do trilho, para ver passar o maior representante da igreja católica no mundo, acenaram pra ele, apesar de achar que ele não os viu – ele trafegava num carro branco, sem vidros e a parte de trás. Ele estava em pé, de branco, com um sorriso fraterno no rosto.
Naquela manhã eles não cruzaram a avenida, até porque não precisava, mas nem sempre era assim, no fim do dia, ainda com o sol raiando perto do horizonte, eles cruzavam a pista negra em direção a fabrica do lado de lá, ficavam em frente a uma imensa janela de vidro, toda fechada, e no lado de dentro ficava uma grande maquina ditando o vai e vêm das garrafas de refrigerantes que recebiam o suco com gás e as tampas como lacres.
Eles ficavam ali boa parte do tempo, os carros a passar ao lado e a calçada inclinada serviam também como um ótimo passatempo. Dali eles enxergavam a casa dos avós, do outro lado da linha. Conseguiam ver a parte de cima do sobrado, e a luz que vinha do lado de dentro da janela aberta, escorado nela estava o avô, pastorando a todos.
A cem metros dali existia outro ponto comercial que eles sempre iam; A padaria, com os bolos feitos na hora, o cheirinho de pão novo e os doces que faziam à alegria da criançada.
Hoje em dia eles não cruzam mais a linha de ferro, até porque não existe mais o buraco na tela de proteção, hoje em dia a fabrica de refrigerantes não existe mais, e a única maneira de enxergar dentro dela é por cima, por entre as vigas de madeira de se acabam com o passar do tempo, hoje em dia o imóvel da fabrica está abandonado, hoje em dia não há como sentir o cheiro dos pães e bolos da padaria, no local há apenas carros enfileirados a espera de um comprador e o único cheiro ali é de gasolina e motor castigado, hoje em dia eles não ficam em cima do muro ao fim do dia conversando, quanto mais os avós para pastorá-los, hoje em dia quando eles trafegam pela avenida, ainda conseguem enxergar uma luz dentro da casa quando a janela está aberta, mas não tem a mínima idéia de quem ali está a se debruçar.
Hoje em dia eles perderam a ingenuidade daquela época, e o Papa já não trafega mais pelas ruas sem um vidro a protegê-lo.
