Hoje saí do confinamento.
Ao acordar me veio a sensação de liberdade, sentimento comum em um Domingo, porém hoje é diferente. Hoje é o dia do retorno do futebol.
Durante a manhã e início da tarde me ocupei revendo gols do início do campeonato, quando o vírus ainda não tinha chegado por aqui. Li notícias do adversário daquela tarde, fiquei feliz ao ver que eles vão com um grande desfalque para a partida.
Essa é do tipo de partida que ninguém quer deixar de ir, não é uma final, mas carrega algo histórico nela. Imagino a empolgação dos jogadores, a euforia do agitador da torcida organizada, o velhinho que enfim vai poder botar a cara na rua e rever os seus.
Chegou a hora de ir para o estádio.
Antes de partir, amarro o bastão da bandeira no canto da janela do carro. Saio devagar e fico a observar a bandeira a tremular ao alto. Vermelho, preto e branco invadindo as ruas ainda com poucas pessoas. É estranho, mas tudo segue fechado, não vejo ninguém nas ruas. Tudo estava deserto demais, mesmo para um domingo a tarde.
Saio das ruas do bairro e chego na avenida, 3 faixas disponíveis para mim. nenhum carro a frente, nenhum atrás. Acelero e a velocidade vai além do permitido, olho pra cima pela janela e tenho uma das mais belas vistas daquele dia, a bandeira balançando incansavelmente, o som que ela proporciona com o vento a soprar forte, as cores corais vivas! Após dias recluso, estava desfrutando de algo sublime.
O vento em meu rosto me faz fechar os olhos por breves segundos, jogo um braço para fora, me transformo no Super-Homem e desfruto da dádiva de poder voar. O vento forte agora corre por todo meu corpo, me proporcionando algo que há dias não sentia: um abraço.
O semáforo a frente está vermelho. Paro, aproveito para sintonizar alguma rádio AM para ouvir a escalação do time. Fico desapontado ao perceber que nenhuma está falando sobre o jogo, as informações ainda são sobre o COVID-19.
Dobro à esquerda e chego a rua do estádio. Coração já começa a bater mais forte. Sinto falta dos carros parados próximo ao local, sinto falta da torcida. Algo está errado.
Aos arredores do estádio vejo alguns caminhões, pessoas com chapéu de proteção, daqueles usados durante grandes construções. A entrada está liberada, por sinal as roletas estão recolhidas, nada impede a entrada do PV ou policiais por perto. Paro o carro, as bilheterias estão fechadas.
Será que errei o dia do jogo?
Passo direto pela entrada, sem ninguém a me incomodar, sigo rápido em direção ao acesso das arquibancadas. Algo definitivamente não estava certo.
Estou de frente ao campo. Fico paralisado com a visão que tenho ao avistar o gramado, uma grande tenda metálica está armada. O vai e vem de pessoas aqui dentro é bem maior, porém são funcionários da construção que segue no centro do campo. Olho por toda a arquibancada e não vejo nenhum torcedor, claro.
O que houve?
Estou com medo.
Acordo. Era um sonho. Era um sonho que se transformou em pesadelo. Ou melhor, revivi algo no início do dia que talvez tenha deixado de dar bola com o passar dos anos e dei de cara com a atual realidade.
Me vi parado olhando o teto do meu quarto por um tempo, angústia… mudei o olhar, passei a vista por todo o quarto até chegar ao poster do Campeão Brasileiro da Série D de 2018, e aquilo me fez acreditar em dias melhores.
Temos que acreditar.